04 fev BCAA
BCAA
BCAA é a sigla em inglês para aminoácidos de cadeia ramificada (branched chain amino acids), constituídos por: Leucina, Isoleucina e Valina. A suplementação destes aminoácidos é muito comum entre atletas de endurance e praticantes de musculação, sendo impulsionada pela descoberta científica de que eles são prioritariamente oxidados durante atividades físicas. Atualmente existem algumas suposições quanto aos efeitos da suplementação de BCAA:
– a suplementação de BCAA evitaria que se usasse a reserva muscular de aminoácidos, diminuindo o catabolismo e ajudando, assim, na hipertrofia.
Os ácidos graxos, assim como o triptofano, são transportados pela albumina. Durante a realização de exercícios prolongados ocorre grande mobilização de ácidos graxos, que conseqüentemente se ligam a uma grande quantidade de albumina, deixando menos dela para carregar triptofano e aumentando a quantidade de triptofano livre. Como conseqüência, maiores quantidades deste aminoácido atravessam a barreira sangue-cérebro; no cérebro o triptofano participa da formação de serotonina, hormônio que causa sonolência. Os BCAAs agiriam competindo com o triptofano pela entrada no cérebro, permitindo que menores quantidades deste aminoácido entrassem, havendo, desta forma, menor formação de serotonina (BLOMSTRAND 2001). Porém fica uma pergunta: quem disse que a serotonina é prejudicial à performance?
Um estudo dinamarquês comparou três situações: ingestão de carboidrato, carboidrato+BCAA e placebo na performance do teste de 100 km em indivíduos treinados. Neste estudo houve controle da alimentação, estado de treinamento e treinamento realizado antes do teste. Antes e durante o experimento os atletas eram alimentados com uma das três bebidas. Ao final do estudo, não houve diferença na performance entre as três situações, com os níveis de glicose e lactato se mantendo similares em todos os testes, apesar dos níveis de triptofano serem maiores no grupo placebo e os de BCAA maiores na suplementação destes aminoácidos (MADSEN et al, 1996). Um dado interessante deste estudo é que ele envolveu um jejum de apenas 4 horas, enquanto a maioria dos estudos a favor do BCAA envolve períodos superiores a 12 horas, o que é uma situação pouca prática (não conheço ninguém que passaria a metade do dia sem comer e se meteria a pedalar 100 quilômetros, ou que simplesmente correria até não conseguir mais). Sem falar que a ingestão de qualquer coisa deve ser, no mínimo, melhor que nada, após longos períodos de jejum.
Em 1995, VAN HALL et al conduziram uma pesquisa onde se suplementou triptofano ou BCAA em ciclistas. Quando se suplementou triptofano, a quantidade livre deste aminoácido aumento 20 vezes. No entanto não houve diferença entre os grupos (triptofano X BCAA) na perfomance de um teste até a exaustão a 70-75% do VO2máx. Como provar a teoria da competição com o triptofano se nem mesmo um aumento de 20 vezes a quantidade deste aminoácido prejudica a performance? Se fossemos estabelecer uma correlação linear, poderia-se inferir que os indivíduos estariam 20 vezes mais sonelentos, porém no estudo de VAN HALL não foi relatado nenhum caso de ciclistas dormindo durante o teste.
DAVIS et al (2000) parecem estar certos ao afirmar que apesar de haver uma base teórica aparentemente convincente, não há dados suficientes para comprovar os efeitos positivos da suplementação de BCAA na fadiga. Por mais que haja estudos em animais a favor do uso de BCAA em atividades de resistência, as pesquisas em humanos envolvem erros metodológicos que nos fazem questionar sua validade, desta forma com é difícil questionar HARGREAVES & SNOW (2001) quanto eles afirmam que o uso de BCAA não parece afetar a fadiga em exercícios prolongados.
Extistem também outras propostas para o uso de BCAA em atletas de endurance. Pesquisadores brasileiros (dentre eles os autores do livro “Hipertrofia e Hiperplasia”) realizaram um estudo para verificar os efeitos da suplementação de BCAA em fatores imunológicos, a hipótese é de que esta prática reverteria os efeitos negativos que as atividades extenuantes exercem nos níveis de glutamina, (fato verificado por MADSEN et al em 1996). Realmente isto foi verificado: ao final do Triatlo Internacional de São Paulo, os atletas que receberam a suplementação de BCAA mantiveram os níveis plasmáticos de glutamina constantes, já os que receberam placebo tiveram uma redução de 22,8%. Os autores ligam este benefício a um menor risco de infecções (BASSIT et al, 2000). (para saber mais sobre o assunto leia o artigo sobre Glutamina)
Musculação
Como os aminoácidos de cadeia ramificada são oxidados pelo músculo, supõe-se que sua suplementação atenue a degradação protéica que normalmente ocorre durante os processos de obtenção de energia. Desta forma, muitos praticantes de musculação têm usado BCAA para auxiliar no processo de ganho de massa muscular, por acreditar em uma diminuição do catabolismo. Nesse sentido, pesquisadores da University of Tasmania, verificaram que a suplementação de BCAA (+/- 12 g/dia durante 14 dias) atenua os níveis de indicadores de danos musculares durante o exercício prolongado (COOMBES & McNAUGHTON, 2000), porém falta saber o real significado deste resultado.
Mas, de fato, existem algumas evidências para o efeito anticatabólico dos BCAAs. BUSE deixou um grupo de ratos em jejum por dois dias e em seguida injetou, por seis horas, as seguintes infusões nos roedores: salina (placebo), glicose ou BCAA+glicose. De acordo com os resultados, os ratos que receberam os BCAAs tiveram melhor retenção de tirosina, indicando um papel do BCAA na manutenção da massa muscular (BUSE, 1981). Os resultados são interessantes, mas a generalização do protocolo para humanos é muito complicada: 1) se dois dias de jejum já é muita coisa para humanos, imagina para ratos! 2) imagina o que significaria na cronologia do organismo humano, o equivalente a seis horas de infusão de BCAAs!?! 3) a mistura de BCAA+glicose gerou um fornecimento de uma maior quantidades de calorias, o que, por si só, já pode influenciar o metabolismo. Desta forma eu acho que o estudo é um exemplo interessante, mas com suas limitações não deve ser parâmetro para os praticantes de musculação.
Um estudo publicado em 1975 por FULKS et al, verificou que os aminoácidos de cadeia ramificada tem efeitos anticatabólicos e anabólicos em preparações in vitro de músculos do diafragma de ratos (o que parece um pouco distante de nossa realidade). Outro estudo interessante foi feito 20 depois na Yale University School of Medicine, onde se comparou os efeitos da infusão de BCAAs e a de placebo em seres humanos em jejum (LOUARD et al, 1995), porém novamente há problemas com a generalização, pois a infusão durou 16 horas, e os indivíduos do grupo placebo ficavam em jejum enquanto os outros recebiam os BCAA no sangue. Realmente nesse caso eu tenho que dar o braço a torcer, em níveis de metabolismo, eu preferiria tomar BCAA na veia que passar 16 horas sem comer, porém, felizmente, essa não é uma escolha que tenhamos que fazer no dia a dia. Obviamente que ocorreria uma diminuição no catabolismo com a infusão de BCAA, pois o grupo experimental possuia nutrientes na circulação enquanto o outro, apenas uma infusão salina sem valor calórico.
Ao BCAA também são propostas alterações endócrinas positivas. Um estudo italiano procurou verificar o efeito de um mês de suplementação de BCAA nos níveis de lactato, GH e proteína receptora de GH (GHBP). Os níveis de lactato pós-exercício foram menores durante a suplementação, porém as diferenças entre os níveis de GH e GHBP pré e pós-tratamento não foram significativas. Mesmo assim, os autores sugerem que as alterações (não significativas) nos níveis de GH podem melhorar a atividade muscular através da síntese protéica (DE PALO et al, 2001). Mas não devemos nos esquecer que os efeitos do GH no ganho de massa muscular são mínimos quando usados em quantidades grandes (ver artigo GH – mitos e verdades), imagina com alterações não significativas!!!
Resumindo
Os estudos feitos com BCAA estão muito distantes de serem animadores. Em atividades de endurance os efeitos destes aminoácidos parecem ser eficientes em indivíduos destreinados realizando atividades até a fadiga, o que dificilmente ocorre em situações reais. Mas, conforme podemos concluir, o uso de BCAA não parece alterar a performance de indivíduos treinados.
Em musculação, a situação é mais grave, pois não há nenhuma base para se usar a suplementação, nem teórica, nem prática. Mesmo em termos de ingestão calórica, a suplementação de BCAA teria pouca eficiência, pois as dosagens disponíveis nos suplementos do mercado são muito baixas, tanto que muitos estudos usaram infusão e não ingestão. Outro ponto bem lembrado por LIU et al (2001) é que, apesar de estudos in vitro terem mostrado que as deficiências de alguns aminoácidos de cadeia ramificada poderem prejudicar a síntese protéica, não há situações reais em que os níveis caiam a tal ponto em humanos, de modo que a concentração fisiológica de BCAAs é sempre suficiente para manter a relação anabolismo/catabolismo, sem que a suplementação seja necessária